A DOR NO CÂNCER
A dor no câncer pode decorrer desde a infiltração (invasão)
neoplásica dos tecidos, de procedimentos terapêuticos, bem como de síndromes
paraneoplásicas. O câncer pode gerar lesões dos receptores de dor denominados
nociceptores. Os nociceptores podem ser ativados por diversos estímulos
(mecânicos, térmicos ou químicos) e sensibilizados por estímulos químicos
endógenos (serotonina, substância P, bradicinina, prostaglandinas e histamina)
após uma lesão tecidual.
A dor relacionada à infiltração tecidual pode ocorrer
através do osso, compressão de troncos nervosos periféricos, no neuro-eixo,
vísceras ocas, vísceras parenquimatosas, invasão e oclusão de vasos sanguíneos,
infiltração de mucosas, tegumento e estruturas de sustentação.
Ao falarmos de procedimentos terapêuticos citamos a dor
incisional e cicatricial, pós-amputação, pós-quimioterapia, pós-radioterapia,
supressão de corticosteroides, mucosite, neuropatia pelo vírus herpes zoster,
neuropatia actínica, uso de morfina e epigastralgia por doença péptica.
Entretanto, as síndromes paraneoplásicas poderão ser
ocasionadas por agentes liberados na circulação por células neoplásicas como
também por mecanismos reacionais; dentre eles incluem-se a dermatomiosite, miopatias,
artrites, síndrome dolorosa do tromboembolismo por hipercoagulabilidade,
imobilismo e distrofia simpático-reflexa.
Faz-se necessária uma minuciosa avaliação da dor para que
haja um tratamento adequado. Pode-se recorrer ao uso de instrumentos de avaliação
(escalas de avaliação da dor) e seus domínios como forma de mensuração, e
complementarmente as escalas de funcionalidade.
CUIDADOS PALIATIVOS E A FISIOTERAPIA
A fisioterapia atua na prevenção de complicações, sejam
estas da esfera osteomioarticular, respiratória, e por desuso, que causem danos
físicos e funcionais ao individuo através orientações domiciliares, diagnóstico
e intervenção precoce, por meio de condutas que favorecem a melhoria da
qualidade de vida e a redução tanto dos custos pessoais quanto hospitalares. A
atuação deve ser realizada em todas as etapas da neoplasia: pré-tratamento,
durante o tratamento, após o tratamento, na recidiva da doença e nos cuidados
paliativos.
Os profissionais da fisioterapia dispõem de recursos que
podem intervir no tratamento paliativo de pacientes com câncer. Estes cuidados
são responsáveis por desenvolver um tratamento para doentes sem possibilidades
de cura, monitorando e diminuindo os sinais e sintomas físicos, psicológicos e
espirituais. Desta forma, visam, sempre que possível, à construção e manutenção
da independência funcional do paciente através da preservação da vida e alívio
dos sintomas por recursos fisioterapêuticos como: terapia para dor, alívio dos
sintomas psicofísicos, atuação nas complicações osteomioarticulares,
reabilitação das complicações linfáticas, cardiopulmonar, atuação na fadiga,
alterações neurofuncionais, úlceras de pressão.
Mediante a fase da enfermidade, a reabilitação paliativa
tenta amenizar o impacto do avanço da patologia, minimizando seus sintomas e
incentivando o paciente a realizar atividades funcionais e até mesmo participar
de seu tratamento, respeitando seu limite funcional.
A evolução da doença causa sofrimento ao paciente e à
família, e reconhecer a fase em que o paciente se encontra é importante, uma
vez que permite uma adequação ao tratamento e entender que a terminalidade não
se restringe apenas aos últimos dias de vida.
Um fator importante nestes pacientes é a questão da morte.
Saber lidar com esta situação é um dos fatores mais angustiantes para os
profissionais e exige extrema delicadeza, pois muitos encaram esta dificuldade
experimentando um desconforto com a situação, seguido de inevitáveis
frustrações profissionais. Além disso, a relação da morte e do morrer e seus
cuidados são ainda desconhecidos até mesmo no ambiente acadêmico, e
perpetuam-se durante a vida profissional.
De acordo com o CREFITO e a resolução do COFFITO nº10 de
03/07/78, que aprova o Código de ética Profissional de Fisioterapia e Terapia
Ocupacional, no capítulo II art.7º está explícito como dever do fisioterapeuta
no exercício profissional: o zelo, o respeito à vida humana desde a concepção
até a morte, a prestação de assistência, respeitando a dignidade e os direitos
da pessoa humana, a utilização de todos os conhecimentos técnicos e
científicos, respeito ao natural pudor e intimidade, bem como o respeito do
direito de decisão da pessoa de seu bem-estar e a informação sobre seu
diagnóstico e prognóstico fisioterapêutico.
A fisioterapia não busca apenas a funcionalidade do
paciente, mas a manutenção de uma comunicação, objetivando estreitar a relação
profissional-paciente, gerando mais confiança do doente em relação ao terapeuta
e conforto. Tais condutas diminuem a sensação de abandono que aflige muitos
pacientes em fase avançada e seus familiares.
A FISIOTERAPIA NO ALÍVIO DA DOR
A dor no câncer é talvez o sintoma mais angustiante que
apresenta um paciente com neoplasia, devido à deteriorização de sua qualidade
de vida.
Os sintomas apresentados em pacientes com neoplasia avançada
podem ser múltiplos, intensos e multifatoriais. Fatores como dor e a perda da
independência são complicações temidas pelos pacientes. A diversidade deles faz
com que se tenha uma preocupação na monitorização de evolução, intensidade,
causa, impacto sobre as AVD's, estado emocional e probabilidade de controle.
A utilização de recursos manuais, meios físicos e ortóticos
minimizam a percepção sintomática da dor. Dentre as modalidades terapêuticas
podemos citar a cinesioterapia, eletrotermoterapia e órteses (muletas,
andadores, cadeiras adaptadas e coletes). Os agentes físicos mais utilizados
são o calor, o frio e as correntes elétricas. Tais recursos podem ser
utilizados em associação, incluindo a massagem, acupuntura, técnicas de
relaxamento, distração e respiração.
Os métodos de terapia manual podem ser utilizados para
complementar o alívio da dor, diminuindo a tensão muscular, melhorando a
circulação tecidual e diminuindo a ansiedade do paciente.
Com o alívio da dor em Cuidados Paliativos busca-se, acima
de tudo, o bem estar e conforto do paciente. Mas é importante frisar que a dor
não afeta apenas quem a sente, mas também exerce um impacto significativo nos
cuidadores, que muitas vezes se sentem incapazes de aliviar tal sintoma.1,7,10
Termoterapia
A termoterapia é uma modalidade que possibilita a
vasodilatação, o relaxamento muscular, a melhora do metabolismo e circulação
local, a extensibilidade dos tecidos moles, a alteração de propriedades
viscoelásticas teciduais e a redução da inflamação. A termoterapia por calor
superficial pode ser realizada através do uso de bolsas térmicas, banhos de
contraste, banhos de parafina, infravermelho, forno de Bier, hidroterapia de
turbilhão e por calor profundo, os mais utilizados são o ultrassom, ondas
curtas, laser e microondas.
A termoterapia superficial pode ser utilizada para aliviar a
dor de pacientes em tratamento paliativo. O objetivo é o de promover o alívio
do espasmo muscular, interferindo no ciclo dor-espasmo-dor, aumento da
extensibilidade tecidual e relaxamento muscular em indivíduos portadores de
tumores, os quais podem estar comprimindo estruturas neuromusculares e, dessa
forma, causando dor.
A utilização do frio (crioterapia) pode ser utilizada em
disfunções musculoesqueléticas, traumáticas, inflamatórias incluindo processos
agudos.
No entanto, não há estudos conclusivos sobre a diminuição de
dor oncológica através de crioterapia, porém sua aplicação pode ser útil para
dores músculo-esquelética.
Vale ressaltar que a termoterapia superficial com calor está
contraindicada, quando aplicada diretamente sobre áreas tumorais. A
vasodilatação provocada pelo calor superficial pode oferecer riscos na
disseminação de células tumorais por via linfática e hematogênica. Desta forma,
aplicam-se ao calor profundo as mesmas restrições sob todas as formas de
apresentação (ondas curtas, ultrassom e laser), cujo aumento do metabólico
local gerado pelo calor pode disseminar as células tumorais. Tais cautelas
também deverão ser tomadas em áreas desprovidas de sensação térmica e sobre as
áreas de insuficiência venosa, tecidos lesados ou infectados, bem como
irradiados.
Eletroterapia
A eletroterapia consiste na utilização de corrente elétrica
com finalidades terapêuticas promovendo analgesia pelo efeito contrairritativo,
resultando na ativação do sistema supressor da dor e produzindo uma sensação
que interfira na sua percepção. Esse efeito pode persistir por períodos longos,
determinando o desaparecimento da dor. As correntes elétricas com fins
analgésicos mais utilizadas são as TENS.
A Eletroestimulação Nervosa Transcutânea (TENS) é bastante
utilizada na fisioterapia para fins clínicos, por ser uma técnica analgésica
simples e não invasiva que pode ser aplicada na clínica por profissionais de
saúde ou em casa pelos próprios pacientes. A TENS é usada principalmente para o
manejo sintomático da dor aguda e dor crônica. Atua sobre as fibras nervosas
aferentes como um estímulo diferencial que "concorre" com a
transmissão do impulso doloroso. Ativa as células da substância gelatinosa,
promovendo uma modulação inibitória segmentar, e ao nível do SNC (sistema
nervoso central), estimula a liberação de endorfinas, endomorfinas e
encefalinas.
O efeito analgésico, neste caso, ocorre pelos opioides
endógenos (as endorfinas) que são liberados no corpo para que se liguem a
receptores específicos no sistema nervoso central e periférico, diminuindo a
percepção da dor e as respostas nociceptivas; portanto, a eletroestimulação
alivia a dor devido à liberação de endorfinas, aumentando os números de
opioides endógenos circulantes no liquido cerebroespinhal.
Cinesioterapia
Na presença de dor oncológica é comum os pacientes reduzirem
a movimentação e a atividade física. Este padrão comportamental gera o
comprometimento gradual do condicionamento físico e da força muscular, bem como
da flexibilidade e da capacidade aeróbica, predispondo o paciente ao
desenvolvimento da síndrome de imobilização. Nos estágios mais avançados, o
desuso e estado de caquexia favorecem a atrofia muscular.
A cinesioterapia é uma terapia que se utiliza de movimentos
como forma de tratamento, a partir de movimentos voluntários que proporcionam a
mobilidade, a flexibilidade, a coordenação muscular, o aumento da força
muscular e a resistência à fadiga.
Na orientação dos doentes com dor oncólogica deve-se dar
atenção à nocividade da inatividade, realizando esclarecimentos em virtude de
seus efeitos deletérios a médio e curto prazo. É necessária a compreensão sobre
os benefícios dos exercícios para a manutenção da flexibilidade e da força
muscular, bem como da importância da função do aparelho locomotor, da
manutenção do condicionamento cardiovascular e respiratório.
Os programas de atividade física têm como objetivo
desenvolver a força e o trofismo muscular, o senso de propriocepção do
movimento, resgatando a amplitude do movimento articular e prevenindo a
imobilidade no leito, mas devem levar em consideração o estado funcional do
paciente. Um bom norteador são as escalas de funcionalidade (ECOG e Karnofsky)
utilizadas em cuidado paliativo.
Massagem
A massagem é uma técnica utilizada como terapia complementar
nos pacientes com câncer, com o objetivo de proporcionar o alívio da dor.
Define-se como a manipulação dos tecidos moles do corpo,
executada com as mãos, com o objetivo de produzir efeitos sobre os sistemas
vascular, muscular e nervoso, produzindo a estimulação mecânica dos tecidos
através da aplicação rítmica de pressão e estiramento. Quando exercida nos
tecidos, estimula os receptores sensoriais, produzindo sensação de prazer ou
bem estar; por outro lado, o estiramento reduz a tensão sobre os músculos e
produz relaxamento muscular. Desta forma a massagem induz o relaxamento
muscular e o alívio da dor.
Órtese
As órteses são dispositivos que podem ser de uso definitivo
ou não, com o objetivo principal de alinhar, prevenir e/ou corrigir
deformidades, além de contribuir na minimização de quadros álgicos.
Atualmente, também pode ser designada como tecnologia
assistida cujo conhecimento deve ter característica interdisciplinar com
métodos e estratégias que objetivam a promoção de funcionalidade, relacionada à
atividade e participação de pessoas com alguma deficiência, incapacidade ou
mobilidade reduzida; visa à autonomia, independência, qualidade de vida e
inclusão social desses indivíduos.
A dor é um sintoma frequente associado à metástase óssea,
cujo sítio pode ser por invasão tumoral direta ou por outras vias. De acordo
com sua localização representa um sinal de envolvimento ósseo, bem como de uma
futura fratura patológica.
O uso profilático de uma órtese propicia a estabilização de
uma lesão dolorosa e auxilia na prevenção de fraturas, evitando uma experiência
álgica maior, além da restrição e perda da mobilidade voluntária. A sua
utilização ou de veículos auxiliares para marcha permitem ao paciente uma maior
funcionalidade do membro e a preservação de sua mobilidade e autonomia. Nos
casos de lesões ósseas em nível da coluna vertebral, as órteses podem
proporcionar o único meio de proteção do canal vertebral. O tipo da órtese
dependerá do quadro de instabilidade e os movimentos que necessitam de proteção
e estabilização.
Fonte: Revista Hospital Universitário Pedro Ernesto - Vol.
11 , N. 2 - Cuidados Paliativos