quinta-feira, 16 de julho de 2015

Entrevista: Hérnia de disco

Dr. Osmar José dos Santos de Moraes é neurocirurgião, responsável pelo Setor de Diretrizes e Condutas da Sociedade Brasileira de Coluna Vertebral. Marcos Ramon Dvoskin, jornalista e empresário, teve dois quadros de hérnia de disco: um, na coluna lombar e o outro, na coluna cervical.



A coluna vertebral é composta por 33 vértebras: sete cervicais, doze torácicas, cinco lombares, cinco sacrais fundidas formando o osso sacro e quatro coccígeas também fundidas e formando o cóccix. Dentro delas há um canal por onde passa a medula nervosa ou medula espinhal.
Entre as vértebras cervicais, torácicas e lombares, localizam-se os discos intervertebrais, que têm o feitio de um anel constituído por tecido cartilaginoso e elástico cuja função é evitar o atrito entre uma vértebra e outra e amortecer o impacto. A hérnia de disco aparece quando parte dessa estrutura sai de sua posição normal e comprime as raízes nervosas que emergem da coluna e se dirigem para o resto do corpo.
Hérnia de disco pode ser assintomática ou provocar dor de moderada e leve intensidade até dor muito forte e incapacitante.
FORMAÇÃO E PREVALÊNCIA
Drauzio – Como se forma a hérnia de disco?
Osmar José S. de Moraes – A coluna vertebral sustenta todos os ossos do corpo. Como a carga que suporta é muito grande, possui um sistema de amortecimento para dar-lhe estabilidade. As estruturas mais importantes desse sistema são os discos intervertebrais constituídos por um tecido elástico que suporta deformação, mas que se desgasta com o uso repetitivo. Esse desgaste favorece o aparecimento de pequenas rupturas que facilitam o extravasamento de parte do disco, ou seja, a formação de uma hérnia, ocorrência muito mais comum do que se imagina, mas, geralmente, de boa evolução.
Drauzio – Qual é prevalência da hérnia de disco na população?
Osmar José S. de Moraes – Acredita-se que 15% da população mundial tenham algum tipo de protusão ou herniação discal. Ou seja, aproximadamente 800 milhões de pessoas no mundo são portadoras de algum tipo de alteração anatômica na coluna vertebral.
Drauzio – As hérnias de disco costumam aparecer em que região da coluna?
Osmar José S. de Moraes – No indivíduo normal (imagem 01), a porção inferior da coluna que se articula com os membros inferiores é constituída por cinco vértebras fundidas que formam o osso sacro. Imediatamente acima, estão as vértebras lombares, as torácicas e as cervicais, separadas umas das outras por discos de tecido fibroso que funcionam como amortecedores de impacto.
As hérnias de disco são mais frequentes nas regiões lombar e cervical da coluna, porque essas são áreas mais expostas ao movimento e que suportam maior carga. Já menos de 10% do total de hérnias se formam na coluna torácica, onde o desgaste do disco é menor, uma vez que o gradeado costal (as costelas) impede movimentos mais bruscos e ajuda a promover o amortecimento.
PRIMEIRO RELATO
Drauzio – Marcos, como e quando você apresentou o primeiro episódio de hérnia de disco?
Marcos Ramon Dvoskin – Pratico esporte regularmente. No final de 2005, comecei a sentir uma dor lombar que se irradiava para a perna esquerda. Procurei um médico, parei com o esporte e comecei a tomar medicamentos anti-inflamatórios. Em dois ou três meses, a dor desapareceu e voltei a fazer exercícios.
Drauzio – A dor ficava mais forte em algum momento?
Marcos Ramon Dvoskin – Era uma dor contínua, embora não tão forte como a que tive na região da coluna cervical. Essa ia aumentando de intensidade e tomava todo o braço esquerdo. Na verdade, nunca senti dor nas costas. A dor começou na parte de cima do braço e foi progredindo até atingir a mão. Eu sentia também muito formigamento nos dedos polegar, indicador e médio.
Embora os sintomas fossem piorando, a maioria dos médicos que procurei na ocasião me aconselhou a não fazer cirurgia, porque as estatísticas mostravam que esse quadro regride naturalmente com o tempo e o uso de medicação.
Acho importante insistir no fato de que o processo doloroso era crescente e chegou a um ponto em que poderia defini-lo como uma dor de dente do tamanho do braço. No último mês antes da cirurgia, precisei tomar morfina. Primeiro a cada doze horas, depois de dez em dez e, por fim, de oito em oito horas.
EVOLUÇÃO
Drauzio – Como evoluem os quadros de hérnia de disco?
Osmar José S. de Moraes – A sustentação da coluna é feita pela musculatura. Pouco exercício e excesso de peso podem provocar gradativamente a falência desse sistema muscular e o aparecimento de uma dor lombar que piora com o exercício.
Com muita frequência, quem sofre da coluna lombar acaba tendo também problemas na coluna cervical, porque para compensar o desconforto que sente nas costas, vai mudando a curvatura da coluna, que é constituída por uma sequência de vértebras e articulações. Essa é a evolução típica da enfermidade.
Em geral, os quadros lombares respondem bem ao tratamento conservador. As estatísticas mostram que 90% dos pacientes com doença lombar não precisam de nenhum outro tratamento além de um pouco de repouso, analgésicos e desenvolver alguns bons hábitos. O mesmo não acontece quando a lesão se localiza na coluna cervical.
Drauzio – Nesse contexto, o que se entende por “bons hábitos”?
Osmar José S. de Moraes – Basicamente, desenvolver “bons hábitos” significa respeitar as normas estabelecidas pela Ergonomia, no dia a dia. O indivíduo deve aprender a sentar-se de forma adequada, com as pernas dobradas em 90º, e por não mais que 40, 50 minutos seguidos. Deve praticar atividade física regular, anaeróbica ou aeróbica, e manter bom padrão de alongamento, pois é certo que, com o passar dos anos, os discos diminuem de tamanho e todos perdemos um pouco de altura. Portanto, quem faz exercícios e alongamentos com regularidade melhora a circulação e tem menos problemas de coluna. Além disso, está estatisticamente comprovado que os fumantes são mais vulneráveis aos problemas de coluna do que os não fumantes e que diabetes e hipertensão são comorbidades associadas que comprometem o resultado do tratamento conservador.
CARACTERÍSTICAS DA DOR
Drauzio – Marcos disse que a dor lombar irradiava para o membro inferior esquerdo. Pegava a perna inteira?
Osmar José S. de Moraes – A dor se irradiava pela coxa inteira e alcançava a parte posterior do joelho.
Drauzio – Qual é a explicação para esse tipo de dor?
Osmar José S. de Moraes – Vamos destacar um segmento da coluna (imagem 02), uma vértebra e um disco normal funcionando como amortecedor. Nesse caso, ele está distante do local por onde passam os nervos. O que aconteceu com Marcos? Com o passar do tempo, essa estrutura sofreu uma pequena fissura, rompeu-se, permitindo, assim, que um pedaço do disco escapasse e fosse pressionar a raiz do nervo que sai de dentro da coluna, entre a quarta e quinta vértebra. No momento da rutura, ocorreu um trauma e formou-se um hematoma, que foi regredindo aos poucos até praticamente desaparecer.
Marcos, então, voltou a levar vida normal. Durante o período em que sentiu dor, porém, ele provavelmente alterou a curvatura da coluna e sobrecarregou a área cervical, que já devia ter algum comprometimento, e desenvolveu uma hérnia de disco nessa região.
SEGUNDO RELATO
Drauzio – Quando as dores lombares começaram, você ficou de cama?
Marcos Ramon  Dvoskin – Não, absolutamente. Sentia apenas uma dor chatinha, inconveniente para o trabalho, mas que foi facilmente tratada. Quando o problema se manifestou na cervical, a conversa foi outra. A dor é terrível. Você não consegue trabalhar, fica impaciente, sem saúde e energia, nem vontade de comer e de dormir.
Drauzio – Os sintomas da hérnia de disco da coluna lombar regrediram em quanto tempo?
Marcos Ramon Dvoskin – Eu diria que entre o início e o fim do processo como um todo passaram-se uns trinta dias. Lembro que tomei anti-inflamatório durante 14 dias e que no décimo quinto dia estava completamente sem dor.
Drauzio – Você fez algum tipo de fisioterapia?
Marcos Ramon Dvoskin – Nessa fase, não. Já quando o problema se localizou na coluna cervical, antes de voltar a correr, Dr. Osmar aconselhou que eu fizesse sessões de fisioterapia.
DIAGNÓSTICO
Drauzio – A hérnia de disco na coluna cervical não provocou dor nem nas costas nem na nuca de Marcos, mas ele sentiu uma dor violenta no braço. Qual é o significado desse sintoma para o diagnóstico da doença?
Osmar José S. de Moraes – Embora a radiografia e a ressonância magnética ajudem, e muito, frequentemente o médico consegue fazer o diagnóstico clinico, baseando-se nas características dos sintomas e fazendo um exame neurológico cuidadoso. O local onde a dor se manifesta e a análise dos reflexos, tanto na perna quanto no braço, permitem determinar se houve ou não lesão da raiz nervosa e, caso tenha ocorrido, é possível saber qual foi a raiz afetada. Às vezes, os estudos radiológicos, tomográficos e de ressonância magnética são acompanhados de laudos que indicam hérnias, protusões e doenças que, na verdade, não refletem o quadro clínico, mas a evolução de um processo de endurecimento do disco que ocorre com o envelhecimento.
Drauzio – É possível dizer com precisão em que medida a raiz foi afetada?
Osmar José S. de Moraes – Existe um exame complementar que nos ajuda a avaliar o volume do disco que extravasou entre as vértebras. Há também exames subsidiários para estabelecer diagnósticos diferenciais com processos inflamatórios, infecciosos, derrames articulares, cistos sinuviais, tumores, tuberculose, esta última uma doença ainda frequente no Brasil.
Drauzio – Às vezes, as pessoas confundem hérnia de disco com bico de papagaio, nome popular da osteofitose  Qual a diferença entre as duas afecções?
Osmar José S. de Moraes – Entende-se por hérnia de disco o extravasamento do anel cartilaginoso situado entre as vértebras, o que pode provocar a compressão dos nervos que saem da coluna. Já o bico de papagaio é uma cicatriz óssea decorrente de microtraumas próximos ao disco intervertebral que provocam inflamação e, posteriormente, calcificações que se sobrepõem adquirindo aspecto semelhante ao do bico dessa ave.
Estudos radiológicos realizados na Europa mostraram que aproximadamente 30% da população a partir dos 50 anos de idade apresentam alguma alteração da coluna sem nenhum sintoma associado. Ou seja, essa evolução é parte natural do processo de envelhecimento.
TRATAMENTO
Drauzio – Marcos teve duas hérnias de disco: uma na coluna lombar que resolveu clinicamente e a outra na região cervical que precisou de intervenção cirúrgica. Você, como médico, distingue uma situação da outra?
Osmar José S. de Moraes – De modo geral, a hérnia de disco é encarada como uma afecção benigna. Na verdade, ela não é uma doença, mas a evolução de um quadro. Obviamente, a conduta varia conforme o caso e de pessoa para pessoa, mas as estatísticas revelam que, na primeira crise, mais de 90% dos indivíduos com dor lombar melhoram com o tratamento clínico. Os que referem sentir dor por mais de uma semana acabam melhorando com o mesmo tipo de tratamento em no máximo 30 dias. Se não houver nenhum déficit motor, portanto, são aconselhados a retomar as atividades normais depois de um ou dois dias de medicação. Se a dor persistir ou outro sintoma aparecer, é necessário encaminhá-los para um exame radiológico.
Drauzio – Marcos continuou levando vida normal apesar da dor provocada pela hérnia de disco na coluna lombar. No passado, os médicos recomendavam que esses pacientes fizessem repouso. Por que essa conduta não é mais adotada?
Osmar José S. de Moraes – O mais recente estudo sobre o assunto mostrou que o indivíduo em repouso absoluto chega a perder um grama de proteína por quilo em um dia, por causa da retração tendínea que ocorre enquanto fica na cama. Por isso, o melhor é manter algum movimento, mesmo que surja um pouco de dor que pode ser aliviada com doses mais altas da medicação.
Drauzio – O que é retração tendínea?
Osmar José S. de Moraes – Quando se mobiliza um segmento do corpo como a perna, a coxa ou o braço, a tendência é ele ir encurtando. Se a pessoa dobrar o cotovelo e deixá-lo assim por quatro semanas, por exemplo, no final o braço estará um pouco menor porque os tecidos (ligamentos, músculos, ossos) e a circulação, se não forem estimulados, serão progressivamente reabsorvidos. Por isso, não havendo déficit motor, o repouso absoluto não é recomendado. O aceitável é que o paciente repouse por 24, 48 horas, no máximo. Hoje, não mais se discute a importância de liberá-lo para continuar em atividade, desde que não seja pesada.
Drauzio – Acupuntura ajuda?
Osmar José S. de Moraes – Apesar das controvérsias que cercam todas as subespecialidades, está provado que a acupuntura funciona bem como analgésico na fase aguda.
Drauzio – Você fez acupuntura, Marcos?
Marcos Ramon Dvoskin – Fiz acupuntura na crise da coluna cervical. No meu caso, ela não funcionou, mas também tomar morfina não adiantava mais.
Osmar José S. de Moraes – A acupuntura funciona até determinado ponto da dor. Por isso, ao perceberem que a pessoa não responde bem ao tratamento, muitos acupunturistas a aconselham a procurar um médico especialista. Foi o que aconteceu com Marcos, que necessitou de uma intervenção cirúrgica, porque seu caso era mais grave.
Drauzio – Sempre me chamou atenção no tratamento cirúrgico da hérnia de disco, o fato de o paciente sentir dores terríveis que o obrigavam a tomar três ou quatro comprimidos de morfina por dia e estar completamente sem dor poucas horas depois da operação. Isso aconteceu com você?
Marcos Ramon Dvoskin – Exatamente assim. A cirurgia começou às 8 horas da noite e terminou às 2 horas da madrugada. Às 4h, eu já estava no quarto sem nenhuma dor e nunca mais senti aquela dor na minha vida.
Drauzio – É sempre esse o resultado da cirurgia?
Osmar José S. de Moraes – Quando bem indicada, se o disco estiver comprimindo mecanicamente a raiz nervosa, em geral, o resultado é esse. O grande segredo da cirurgia na coluna como um todo e principalmente na hérnia de disco é a indicação precisa. Uma vez localizado o nervo que está com o diâmetro reduzido pela metade por causa da compressão exercida por parte do disco que extravasou, é só corrigir o defeito mecânico para obter alívio completo da dor.
Basicamente, foi o que aconteceu com Marcos. Entretanto, existe um mecanismo inflamatório que ainda não é bem conhecido e, às vezes, compromete o resultado favorável das cirurgias.
Drauzio – Quantos dias você ficou no hospital?
Marcos Ramon Dvoskin – Um dia. Fui para casa 24h depois da cirurgia com a orientação de fazer repouso e usando um colar de proteção que só devia retirar para dormir num travesseiro adequado à situação.
Drauzio – Que instruções você recebeu no pós-operatório?
Marcos Ramon Dvoskin – Eu deveria andar, mas com cuidado, usando o colar cervical. Na semana seguinte, comecei as sessões de fisioterapia visando à recuperação da musculatura. Por volta de 25, 30 dias depois, voltei a caminhar e depois a correr, o que estou fazendo até hoje.
Drauzio – Nunca mais você sentiu dor?
Marcos Ramon Dvoskin – Nunca mais. Esse é um assunto encerrado em minha vida. Dele, só sobrou a marca dos pontos no meu pescoço e mais nada. Estou muito feliz, porque não posso imaginar a minha vida sem corrida.
PREVENÇÂO
Drauzio – Quais são os cuidados que uma pessoa deve tomar para prevenir a formação de uma hérnia de disco?
Osmar José S. de Moraes – Lamentavelmente, uma pequena parcela da população tem tendência genética para apresentar o problema. Entretanto, se essas pessoas praticarem atividade física regular, se tiverem a musculatura abdominal e paravertebral bem desenvolvida, mesmo que apresentem uma hérnia de disco, raramente são candidatas ao tratamento cirúrgico.
De qualquer modo, para prevenir a instalação de problemas na coluna, o importante é evitar excessos: excesso de peso, de consumo de álcool e de exercícios.
Drauzio – Levantar pesos sem o devido preparo pode ser um agravante para a hérnia de disco?
Osmar José S. de Moraes – Pode. A coluna é o eixo central do organismo. Todas as vezes que a pessoa suporta nas pernas ou nos braços um peso acima de sua capacidade, essa sobrecarga vai direto para a coluna. Por isso, sem o preparo adequado, não se deve fazer levantamento de peso.
Drauzio – Fazer alongamento ajuda a prevenir o problema?
Osmar de Moraes – Atividade física bem orientada, exercícios de alongamento e hábitos saudáveis de vida previnem o encurtamento da coluna e a formação de hérnias de disco.
Perguntas enviadas por e-mail
Graça Barranovo – Santos/SP – Hérnia de disco pode aparecer em jovens?
Osmar José S. de Moraes – Pode. Primeiro por causa da tendência genética. Depois, porque alguns jovens fazem esforços exagerados.
Norma Lúcia Moreira Santos – Salvador/BA – Qualquer problema na coluna pode ocasionar uma hérnia de disco?
Osmar José S. de Moraes – Não. A hérnia é provocada por uma fraqueza própria de uma região do disco intervetebral.
Vera Lúcia Rodrigues – São Leopoldo/RS – Uma vez operada, a hérnia pode recidivar?
Osmar José S. de Moraes – Pode. Segundo o protocolo da técnica cirúrgica mais usada, retira-se apenas a hérnia que se formou e preserva-se o resto do disco. Por isso, é fundamental manter um programa de reabilitação permanente para evitar o aparecimento de outra hérnia.


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