Elas vivem nas alturas. Mas pelo menos os pés deveriam ficar
plantados no chão. Em vez disso, garotas cada vez mais jovens estão subindo no
salto, e por períodos tão longos que já começam a sofrer os efeitos colaterais
dessa forma, digamos vaidosa, de andar por aí. O flagrante foi da
fisioterapeuta Patrícia Pezzan, professora da Pontifícia Universidade Católica
de Poços de Caldas, em Minas Gerais.
Com o objetivo de analisar a influência do calçado na postura
teen, a especialista acompanhou um grupo de 50 meninas entre 13 e 20 anos que
se equilibram em saltos de 10 centímetros. “Nas clínicas de fisioterapia,
notamos uma progressão de adolescentes com desvio e dores na coluna. Todas fãs
de sapato alto. Como a queixa em mulheres adultas muitas vezes acontece devido
à elevação do calcanhar, suspeitei da causa”, conta.
Para descobrir a resposta, Patrícia aplicou um questionário
a 185 meninas. Descobriu que o modelo anabela é o preferido da moçada. “Cem por
cento usavam esse apoio para ir ao shopping, cinema, balada e até à escola”,
revela. Do time, 50 garotas foram consideradas usuárias crônicas do modelito
porque desfi lavam com ele havia no mínimo um ano, três vezes na semana,
durante quatro horas seguidas. Comparadas a outras 50 não adeptas do anabela, a
blitz confirmou: o pisante tem feito as jovens curvar acentuadamente a região
lombar, exagero que os especialistas chamam de hiperlordose. Elas também
aproximam mais os joelhos entre si, deixando as pernas em formato de X.
Quando está no topo, a menina vira ainda mais o pé — para
dentro, ao tocar no chão, e para fora, ao terminar a pisada. “Isso mói o joelho
como um pilão porque a tíbia, osso da perna, roda para fora, mas o fêmur fica
parado”, descreve o especialista em marcha Júlio Cerca Serrão, coordenador do
Laboratório de Biomecânica da Universidade de São Paulo. “O esforço se propaga
pelo quadril e a coluna se ressente com o tempo”, conclui.
A ortopedista paulista Cibele Réssio, uma das pioneiras a conferir
as consequências desse símbolo de feminilidade, vai além na patrulha. “Não
interessa se o salto é plataforma, anabela, quadrado ou agulha: a partir de 3
centímetros, ele já começa a causar alterações corporais. Se estamos falando de
adolescentes, elas vão antecipar essas deformidades e um
problema que teriam aos 30, depois de muito sapato alto, terão logo aos 20”,
calcula.
“Aos 13, 14 anos, ocorre o estirão de crescimento. As
mudanças físicas são muito rápidas e a adolescente fica toda desajeitada porque
ganha um novo corpo a cada dia praticamente. O salto complica esse aprendizado
porque gera uma dificuldade a mais nessa adaptação”, explica Evandro de Souza
Portes, diretor da região São Paulo da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e
Metabologia.
Antes de crucificar o salto, saiba que ele não é a único
culpado pelo comprometimento da coluna. O estudo de Patrícia, que resultou em
sua tese de mestrado recém-defendida na USP, foi apenas o primeiro passo. O
próximo é verificar os outros fatores de preocupação. “A mochila pesada, o
jeito de dormir, a posição em frente ao computador e o fato de que o sexo
feminino possui uma maior inclinação da pelve são uma combinação explosiva”,
define Serrão.
Se o desalinhamento postural já aconteceu e as dores
chegaram, a fisioterapia pode corrigir a musculatura e aliviar o tormento. Mas,
se a adolescente teve sorte e continua com a coluna no lugar, o jeito é
prevenir, deixando o salto para eventos esporádicos. Para o dia a dia, um dos
objetivos do pisante é não atrapalhar o movimento. Vamos repetir: não
atrapalhar o movimento.
Caminhar é um ato complexo e sincronizado que envolve todo o
aparelho locomotor. Ficar descalço seria o melhor jeito de facilitar a marcha.
Mas, já que não combina com a vida moderna, é importante escolher o sapato mais
adequado a tão nobre função. “O toque do calcanhar no solo provoca uma vibração
intensa que é transferida pelos ossos, músculos e ligamentos e que se estende
das pernas até a mandíbula”, explica Serrão. “Por isso, o solado não deve ser
muito raso. Ele tem que amortecer o impacto”, ensina.
O ideal são solados de 2 a 3 centímetros acima do piso. E
quer saber? Essa altura presta até um serviço para a circulação, como provou o
cirurgião vascular João Potério Filho em seu artigo publicado na revista
Angiology em 2004. “Ela induz uma contração da panturrilha que melhora o
retorno de sangue para o coração e evita que a perna inche”, diz o
especialista.
Cibele Réssio ainda recomenda: “A adolescente deve alternar
salto com tênis, sapatilha de bico fi no com outra de fôrma quadrada. Tudo para
não engessar a musculatura. E, em casa, para aliviar uma eventual dor, alongar
a batata da perna. Basta levar as mãos até a ponta dos pés sem dobrar os
joelhos”.
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