As doenças esofagianas, como o Refluxo Gastroesofágico (RGE), chamam a atenção do fisioterapeuta pela agressão ao sistema respiratório provocada por essas moléstias. A freqüência com que os episódios de RGE patológicos ocorrem tem significativa importância por ser responsável por manifestações indesejadas como os próprios distúrbios respiratórios no primeiro ano de vida.
Os mecanismos fisiopatológicos envolvidos nas manifestações do RGE incluem tanto a irritação da mucosa orofaríngea quanto das terminações nervosas responsáveis pelos fenômenos de broncoconstrição, além da aspiração brônquica de líquido gástrico. Na verdade, isso pode ocorrer, pois a função orogástrica concerne duas cavidades com um gradiente pressórico – a cavidade abdominal (pressão positiva) e a cavidade torácica (pressão negativa), fazendo com que haja uma tendência natural ao refluxo.
Agudamente, o RGE pode manifestar-se com cianose, hipotonia, apnéia e necessidade de manobras de reanimação em alguns casos. Entretanto, o RGE pode ser conhecido como fator desencadeante ou agravante das manifestações respiratórias, como descrito anteriormente. Surge, então, como episódios de tosse espasmódica, bronquite obstrutiva com sibilância, broncopneumopatias recidivantes, em particular, do lobo médio. Há, ainda, uma estreita relação entre a doença do RGE e os episódios de asma. Quando não tratada com terapia própria para o RGE, a evolução clínica não é boa, pois acarreta complicações orogástricas e, principalmente, sério comprometimento pulmonar, determinado pelas repetidas infecções.
De modo geral, o tratamento do RGE envolve medidas clínicas, como posicionamento, dieta adequada e farmacoterapia, e cirúrgicas, tendo como objetivo diminuir fatores agressivos e aumentar os fatores protetores da mucosa esofágica.
É muito importante que, ao indicar fisioterapia para o tratamento das complicações respiratórias causadas pelo RGE, se tenha conhecimento sobre a fisiopatologia da doença, sua evolução e seu quadro respiratório. Geralmente, o RGE pode causar ou agravar a obstrução brônquica por meio de aspiração, reflexo vagal, aumento da reatividade brônquica e liberação de citoquinas. A mecânica pulmonar alterada no lactente é caracterizada por um aumento do gradiente de pressão transdiafragmática e retificação do diafragma pela hiperinuflação, além de apresentar um quadro de obstrução de vias aéreas por hipersecreção brônquica e sibilância. Observa-se, então, a tendência à cronificação do quadro pulmonar e, conseqüentemente, acompanhamento fisioterapêutico prolongado.
Posicionamento
Sempre que se for realizar as manobras de fisioterapia, o bebê deverá ser colocado com o decúbito elevado, excluindo-se os padrões terapêuticos que promovam um aumento da pressão intrabdominal; desta forma, reduz-se a possibilidade de episódios de RGE. Assim, observa-se que o terapeuta deverá obedecer a certas normas rígidas de postura. Há autores que acreditam que, quanto mais grave o grau de refluxo, mais elevada deverá ser a postura do bebê (sem a flexão do quadril). Na vigência de um RGE importante e mal tolerado, pode-se adotar o decúbito elevado e associar com a posição prona. Comumente, opta-se pelo decúbito prono em 30 graus, desde que a criança fique confortável.
No intuito de se combater o mecanismo de refluxo, deve-se otimizar o padrão postural dos bebês, procurando a elevação do tronco a 30 graus; Esta posição pode também estar contribuindo para o esvaziamento gástrico. A adoção da posição sentada ou semi-sentada não é indicada por favorecer o aumento da pressão intrabdominal e, conseqüentemente, os episódios de refluxo.
Manobras de Desobstrução Brônquica
No caso da doença do RGE em particular, as manobras habituais de desobstrução brônquica podem ser empregadas, porém com algumas precauções. Tanto em uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI), quanto nos atendimentos ambulatoriais, o fisioterapeuta deverá fazer uma avaliação completa da criança para que se possa eleger as principais técnicas a serem empregadas em cada caso.
É importante, também, que o jejum de pelo menos 1 hora antes da realização de fisioterapia seja adotado. Há autores, na maioria europeus, que preconizam até 2 horas de jejum antes da realização do atendimento fisioterapêutico.
Quando da eleição das técnicas fisioterapêuticas, é prudente excluir manobras que provoquem intenso estímulo mecânico, como a tapotagem ou percussão, pois podem provocar estímulos acidentais na região gástrica ou ainda podem hiperestimular pacientes já conhecidos como hiper-reatores. Atualmente, trabalhos têm evidenciado que a manobra de aceleração de fluxo expiratório (AFE) tem trazido bons resultados. O cuidado que se deve ter é de que a manobra seja feita sem ou com o mínimo de compressão abdominal. De fato, deve-se procurar evitar o vaivém do conteúdo gástrico para o esôfago. Pelas mesmas razões, pode-se acabar impedindo o movimento eficaz das cúpulas diafragmáticas e prejudicar o mecanismo da tosse. Assim, quando executada a manobra de AFE, obtém-se um aumento da pressão intratorácica impedindo a tendência natural ao refluxo nos bebês obstruídos. Faz-se necessário, ainda, observar o padrão respiratório da criança por um determinado período de tempo antes de se iniciar a manobra, uma vez que esta deverá ser sincronizada com os movimentos respiratórios. Após, deve-se provocar, manualmente, uma expiração profunda (de acordo com a idade do bebê), para acionar uma inspiração intensa. Em crianças maiores, com um bom nível de compreensão, é possível solicitar a inspiração profunda. Geralmente, realiza-se a manobra 5 a 10 vezes, alternando-se com tosse ou ainda com a aspiração de secreções brônquicas. Entretanto, no caso de bebês ou de crianças taquidispneicas, deve-se aguardar cerca de 2 a 3 ciclos respiratórios entre uma AFE e outra. Vale ressaltar que a manobra de AFE, além de atuar para desobstrução brônquica nos quadros hipersecretivos, minimiza o padrão de hiperinsuflação pulmonar e otimiza a mecânica torácica, estabilizando a função pulmonar.
Aspiração das Secreções de Vias Aéreas
A aspiração das secreções brônquicas deve ser feita via nasal, pois via oral pode-se provocar o reflexo nauseante, bastante freqüente em crianças com refluxo. Durante a realização deste procedimento, é comum a utilização de soro fisiológico (NaCl a 0,9%) para prévia lubrificação das narinas e até para fluidificação do muco que se encontra nas vias aéreas superiores.
Ventilação Mecânica no Refluxo Gastroesofágico
Imediatamente após a realização de uma cirurgia para a correção do RGE patológico, quando não é possível a realização da extubação pelo próprio anestesista, ainda no centro cirúrgico, isso deverá ser feito na Unidade de Terapia Intensiva tão logo que possível. Ao receber a criança na UTI, em grande parte dos serviços, usam-se aparelhos de ventilação mecânica invasiva que dispõem da Ventilação Mandatória Intermitente, com a qual é possível estabelecer um limite pressórico, um ciclo constante e é ciclada a tempo. Há outros locais que optam pela Ventilação Mandatória Intermitente Sincronizada, que é mais fisiológica para a criança, uma vez que é possível evitar que ocorra a sobreposição de pressões quando da respiração espontânea do paciente, além de poder contar com um auxílio, na fase inspiratória, destes ciclos espontâneos (PS= Pressão de Suporte), evitando uma sobrecarga para a musculatura respiratória.
Inicialmente, quando da utilização do IMV, recebe-se o paciente com o fluxo ajustado de acordo com o peso da criança e, conseqüentemente, com a capacidade que o valor de fluxo estipulado tem para atingir o pico de pressão inspiratória (PIP) desejado. O PIP deve ser de 20 cmH2O ou o suficiente para provocar uma boa expansibilidade do tórax, e a Pressão Positiva Expiratória Final (PEEP) deverá oscilar dentro dos valores fisiológicos – 3 a 5 cmH2O. O tempo inspiratório (Ti) também deverá ser ajustado sempre de acordo com a Constante de Tempo (CT) de cada bebê. Então, como geralmente nos casos de RGE pode haver um discreto aumento da resistência das vias aéreas pelas alterações pulmonares, a constante de tempo é um pouco maior, devendo o Ti também ser discretamente maior para a criança. A freqüência respiratória deverá ser adequada à idade do paciente em questão, já a relação inspiração-expiração (i:e) deverá ser fisiológica de 1:2. Por fim, a FiO2 inicial deve ser de 0,1, pelos riscos de hipoxemia durante o transporte da criança do centro cirúrgico até a UTI-Pediátrica. Assim que for realizada a monitoração da saturação periférica de oxigênio (SpO2), pode-se começar a baixar o valor da FiO2.
De acordo com o nível de consciência da criança, deve-se fazer todos os ajustes para que o desmame da ventilação mecânica prossiga de maneira rápida e efetiva, a fim de que se possa extubá-la precocemente.
Uma vez realizada a retirada do tubo endotraqueal, quando a criança já tem algum comprometimento pulmonar, pode ser que haja a necessidade da utilização de suporte ventilatório não invasivo, como o CPAP (Pressão Positiva Contínua nas Vias Aéreas) com um prong nasal, em níveis fisiológicos (5 cmH2O), ou o suficiente de modo a promover um conforto maior para o paciente, reduzindo o esforço respiratório. Entretanto, neste serviço, é comum a utilização de oxigenoterapia com nebulização contínua imediatamente após a extubação do paciente.
Nos casos de crianças que foram submetidas a um procedimento cirúrgico, em função da dor, há um processo de superficialização da respiração, com conseqüente redução do volume corrente, além de tosse ineficaz. Então, recomenda-se otimizar não só a higiene brônquica, mas também a reexpansão pulmonar. Em decorrência da dor, a atuação fisioterapêutica poderia estar limitada, contudo, vale a integração multiprofissional, preconizando-se a sedação ou analgesia, de acordo com a indicação médica. É importante ressaltar, ainda, que as áreas pulmonares hipoventiladas podem se beneficiar da utilização de Ventilação Pulmonar com Pressão Positiva (VPPI). Contudo, é importante lembrar do risco de deiscência das suturas, especialmente as esofágicas, quando do uso de pressão positiva de forma inadvertida.
Desta forma, verifica-se que todo o atendimento fisioterapêutico deve ser específico para cada criança e precisa estar de acordo com a evolução clínica da mesma, respeitando-se, sempre, o limiar de dor do bebê. Assim, a fisioterapia deverá otimizar e orientar quanto ao ortostatismo e/ou a elevação do tronco, a alimentação e o tratamento das complicações pulmonares.