Sexta-feira, meu último paciente
chega ao consultório. Olho a ficha, o nome e profissão e vejo tratar-se de uma
dentista com mais ou menos 40 anos. A fácies de dor deixa transparecer o
sofrimento e as olheiras mostram noites mal dormidas. O corpo é atlético, de
quem se dedica regularmente à pratica de exercícios. Após cumprimentá-la,
pergunto o motivo da consulta. Ela responde: “Tenho uma dor nas costas há mais ou
menos 1 mês que coincidiu com o período em que estava trabalhando 12 horas por
dia. Às vezes sinto dores irradiadas para os MMSS, como se minhas mãos
estivessem vestindo umas luvas. Esporadicamente, sinto sensação de agulhadas,
mas ultimamente estou assustada, pois também tenho dor no peito e nas costelas.
Passei por vários ortopedistas mas ninguém chegou a uma conclusão. Os
relaxantes não fazem efeito e os anti-inflamatórios têm alívio temporário.”
Na minha mente desfilam alguns
fatos: dor torácica é SEMPRE UMA BANDEIRA VERMELHA!!! Não posso manipulá-la sem
antes ter um diagnóstico de exclusão. Continuo pensando em patologias orgânicas
a serem excluídas: mielopatia cervical, lesões do neurônio motor superior,
síndrome do desfiladeiro torácico, angina, compressão de raízes nervosas,
síndrome Parsonage turner, hérnia de disco torácica, polineurite, doença
sistêmica, tumores, fibromialgia, entre outros.
O exame subjetivo (SINE) mostra
Severidade intensa, pois a dor tem atrapalhado seu trabalho além das atividades
de vida doméstica e esportivas; Irritabilidade: alta. Após ser provocada, a dor
pode persistir por várias horas. A natureza do problema sugere processo
inflamatório mecânico ou químico. Em relação à estabilidade, a paciente está
piorando, pelo fato das dores agora serem mais frequentes, intensas e
espalhadas. O comportamento da dor nas 24 horas mostra predominância diurna,
preferencialmente relacionada à atividade, mas também há dores noturnas que
impedem o sono sem associação à posição de dormir.
Após 35 minutos de avaliação
subjetiva, passo ao exame objetivo. A avaliação postural evidencia projeção
anterior da cabeça, com aumento da cifose torácica, ombros rodados internamente
e os cotovelos em ligeira flexão. Nada encontro, de significativo, na coluna
cervical do ponto de vista osteocinemático (incluindo movimentos combinados) ou
artrocinemático. Checo então a torácica, que esta rígida e com um ponto
sensível entre T4/T5. O exame neurológico foi normal (força, reflexos,
sensibilidade). Não havia relação da parestesia descrita com o dermátomo
correspondente. A avaliação neuro-dinâmica (mediano, ulnar, radial) não mostra
anormalidades. Finalmente avalio os exames complementares (RMN,TC, ENMG, ECG),
todos normais. Exames laboratoriais incluindo hormônios tireoidianos,
marcadores reumáticos e inflamatórios também estão normais.
Meu raciocínio comparativo me
remete a dois casos que atendi na minha vida profissional. Peço-lhe um tempo
para estudar seu caso com mais detalhes e após uma revisão da literatura
científica, BINGO!! Síndrome de T4 foi minha conclusão.
Começo os tratamentos com
mobilizações passivas tipo Maitland ao nível de T3/T4/T5. Evoluo para
manipulações torácicas grau V (bandeiras vermelhas já excluídas) e termino a
sessão com SNAGS torácicos de Mulligan. Mando a paciente para casa com
orientações de exercícios domiciliares. Após cinco sessões dispostas em 3
semanas, já estando praticamente assintomática, sugiro Pilates ou um trabalho
de estabilização.
Afinal, o que é Síndrome de T4?
Uma das primeiras descrições da SINDROME DE T4 foi atribuída a G. Maitland, lá
pelos anos 50, quando tratava uma disfunção em rotação da torácica de um
paciente. Anos depois, em 1986, Maitland elaborou esta descrição: “Trata-se de
um padrão clínico que envolve parestesia e dor da extremidade superior com ou
sem dor cervical e cefaleia”. Atualmente atribui-se que os sintomas possam
também ser provenientes dos níveis T2 a T7, de modo que alguns autores sugerem
o nome Síndrome da Coluna Torácica Superior. Em 1997, Evans publicou seu
brilhante artigo na revista Physiotherapy, esclarecendo um pouco melhor a
Síndrome e os prováveis mecanismos envolvidos.
Mas como reconhecer as
características clínicas? Pacientes com Síndrome de T4 encontram-se na faixa de
30 a 50 anos, sendo que o acometimento é maior nas mulheres, e alguns autores
consideram uma razão de 4:1. Os idosos sendo mais rígidos e rodando menos o
tronco, sendo menos afetados. Não se tem descrição em crianças. Apesar de não
se saber exatamente o que causa a síndrome, acredita-se que alterações
posturais, hipomobilidade articular ou rigidez possam fazer parte. Por isso,
pessoas que trabalham em posturas mantidas e em posições não confortáveis, tais
como eletricistas, cirurgiões, encanadores, dentistas, programadores e
especialistas em computação fazem parte do grupo mais acometido.
Os sintomas podem ser
desencadeados por atividades como pegar peso, torções do tronco, tossir,
espirrar, ficar longos períodos curvados em uma posição, ou realizando
atividades que usam as mãos na frente do corpo, como dirigir. Alguns relatam
que os sintomas iniciaram-se após trauma ou movimentos corporais mais
vigorosos. O último paciente que vi havia desencadeado os sintomas na academia.
Clinicamente podemos encontrar
sintomas em MMSS, cervical e cabeça (uni ou bilaterais), tais como parestesias,
sensação de picadas e agulhadas na mão e dedos, sensação de peso nas
extremidades e edema nas mãos, sensação de peso, frio ou calor, cefaleias,
rigidez torácica, dor interescapular. As dores noturnas chegam a despertar os
pacientes. O exame neurológico é normal, a avaliação deve buscar também achados
objetivos e os mais comuns são hipomobilidade torácica superior e a presença de
ponto de sensibilidade na faceta torácica de T4 (que também pode apresentar-se
em outras facetas). A palpação dos ângulos costais pode desencadear sintomas,
presença de postura de projeção anterior da cabeça, retificação da torácica,
testes de tensão neural positivos, arco de movimento ativo da cervical e
torácica indolor.
E quais seriam os mecanismos
neurofisiológicos envolvidos? Na verdade até hoje não sabemos exatamente, mas o
trabalho publicado por Evans trouxe alguma luz. Existem duas correntes de
pensamento que se complementam: uma diz respeito à hipomoblidade torácica que
desencadearia edema e dor facetaria, mas não explicaria tanto os fenômenos
autonômicos observados. O SNA poderia explicar estes fenômenos. A cadeia
ganglionar simpática paravertebral pode ser afetada por pressões mecânicas ou
estiramentos, que podem desencadear o problema. Embora a relação entre sistema
nervoso autônomo e somático não seja bem compreendida, vários autores (Bogduk,
Grieve, Evans) afirmam que o SNA é capaz de prover uma via que explicaria estas
dores cervicais baixas e nos MMSS.
Erros de diagnósticos associados
a problemas da coluna torácica superior são muito comuns devido a presença de
sinais similares entre a cervical e torácica superior nos exames subjetivos e
objetivos. Desta maneira, quando encontrarem pacientes com dores referidas para
os membros superiores, tronco e cabeça que não se enquadrem nos padrões
clássicos de dermátomos, vale a pena considerar como possibilidade diagnóstica
a Síndrome de T4.
Fonte: Fisioterapia Manual
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